Mistérios desenterrados e uma verdade que pode desencadear trágicas consequências Gerda Persson, de 92 anos, morre em seu apartamento e seu corpo só é encontrado três dias depois. Gerda parece ter sido uma pessoa comum, ter vivido uma vida extremamente normal – até sua geladeira ser aberta. Dentro da geladeira, vários livros empilhados de forma organizada e envoltos em plástico estão cobertos por uma camada de gelo – todos escritos pelo mesmo autor, Axel Ragnerfeldt, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura. Que mistérios conterão estes livros? Marianne Folkesson, curadora de inventários do município, entra em contato com o filho do escritor, Jan-Erik, e descobre que a idosa foi empregada dos Ragnerfeldts por muitos anos. Ao procurar uma foto de Gerda a pedido de Marianne, Jan-Erik se depara com segredos de família: uma história de traições e mentiras que, para os envolvidos, deveria permanecer no passado. A ascensão dos Ragnerfeldts parece ter sido marcada por um crime obscuro – algo que havia sido enterrado pelo tempo e que agora pode vir à tona.
O que eu achei
A obra é um dos livros mais intensos que já li. A filosofia que permeia tanto a esfera familiar quanto os atos da sociedade são os pontos de partida dessa história. A curiosidade em se descobrir como as histórias se interligam é deixado de lado enquanto você respira duas vezes depois de ter lido frases densas que te fazem pensar e repensar suas atitudes quanto indivíduo e cidadão do mundo.
A autora não se priva em deixar tudo no campo das ideias, ela coloca os ideais de suas filosofias em campo nesse livro e nos mostra que não é só nas palavras que devemos tomar nossas atitudes. O ponto alto da história é justamente analisar os atos dos personagens e compará-los lado a lado com suas trajetórias de vida. Nessa obra todos parecem ser verdadeiros personagens da vida real, nada de heroísmo ou decência, mas o lado obscuro de cada um, que transforma todos em seres quase palpáveis de tão reais que são.
Os assuntos debatidos vão desde a eterna busca pela felicidade, consumo consciente, direitos e deveres morais, virtudes, real propósito da luta de classes, até a construção do que realmente é a grande conquista da vida. Todos os personagens têm, em suma, seu papel nesses debates e cada um deles acaba sendo porta voz de um ou mais temas. Isso que eu achei fantástico.
Sobre o livro
Escrito em 3ª pessoa, o livro tem pouco mais de 300 páginas e li em 4 dias com bastante interesse, principalmente pelas ideias da autora em cada parágrafo. Ela tem uma forma de escrever muito ritmada e te faz perceber que cada capítulo é como se fosse uma dança. Em um capítulo, por exemplo, a autora mostra a decadência, fundo do poço e logo a reerguida de uma das personagens de forma majestosa e primorosa. Me lembrou muito dos filmes do diretor Noah Baumbach (Os Meyerowitz e História de um casamento). Cada capítulo conversa entre si como se o todo fosse mais importante que a parte e mostra que o quebra-cabeças da história é cada vez mais nítido a partir da compreensão do detalhe. Tudo aqui parece ter sido construído com bastante atenção, principalmente nas frases que cada personagem expressa sua forma de pensar em antítese ao outro. Perceba as nuances entre a história de vida e o jeito de pensar de Axel em contrapartida de Jan-Erik, note como a autora fez o possível para os colocar em cantos opostos, mesmo que eles sejam super parecidos. Ela fez o máximo para criar uma mixagem entre Jan-Erik, Alice e Axel, de forma que realmente parecesse que este era filho deles. Trabalho primoroso, sem dúvidas.
Um leitor mais atento aos detalhes vai perceber que as ideias, lugares, frases e cenários são utilizados pela autora em mais de uma ocasião quando são necessários para a história, como se fosse um “destino” para os personagens. (Se você leu o livro vai entender isso quando perceber a “coincidência” da cidade de Västerås ou do termo “jazigo de família” para a história)
O livro não é tão simples quanto aparenta pela sinopse. Não é suspense de banca, principalmente quando você tenta fazer adivinhações em cima da história (como eu geralmente costumo fazer) e percebe que a autora, além de fazer troça das ideias “simples”, ainda brinca com isso as fazendo parecer “ideia de bêbado”. (De todas as sete soluções que eu pensei ter adivinhado, acertei apenas duas)
Esse não é um livro de entretenimento, é um livro denso nas ideias e na filosofia que ele orbita, que faz com que você queira parar um pouco para pensar no que está sendo lido. (Inclusive, essa é uma das opiniões que um dos seus personagens expressa). Você percebe isso ao se confrontar com o título do livro e as mazelas dos personagens, sempre vivendo à sombra do outro, sempre com algo sombrio por trás dos atos etc.
Enfim, esse livro entrou com certeza para a lista de favoritos. Foi uma ótima surpresa pois não sabia nada da história. E com certeza gostaria de ler algum dos outros livros da autora sueca que já recebeu o prêmio Glass Key e foi indicada ao prêmio Edgar. Parece que atualmente no Brasil ela possui apenas 3 livros traduzidos (Lançados pelo Grupo Editorial Record), mas ela escreveu 7 livros e 1 roteiro. Somente 5 livros foram traduzidos pro inglês e um de seus livros foi adaptado para uma mini-série nos Estados Unidos.
Data de leitura: 05/06/2020
Classificado em: ✭✭✭✭✭
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